Crônica: Saia Sozinho




Faça um favor a si mesmo vá no cinema sozinho. Faça uma viagem sozinho. Saboreie um café sozinho.  É um ato libertador e revolucionário. Nem sempre precisamos estar acompanhados. Mas temos mesmo que aprender a desfrutar da nossa própria companhia.

A primeira vez que fui ao cinema sozinha estava na adolescência por volta dos 16, levei um fora de um menino. Ele não apareceu, ao invés de ir para casa me lamentar, fui ver o filme mesmo assim. Acompanhada por uma barra de chocolate. A primeira vez que de fato apreciei a minha própria companhia. Depois disso pelo menos uma vez por mês vou ao cinema sozinha. Gosto de filmes alternativos e adoro frequentar um dos poucos cinemas de rua que ainda a minha cidade comporta.

Seja ir ao cinema. Seja tomar café  em algum lugar bacana.Seja para dar uma volta caminhando pela cidade.Seja para ficar em casa fazendo alguma coisa que realmente goste. Seja como for, cada um de nós deveria exercitar a sua própria individualidade. Aprender de verdade o que gosta de fazer sem que isso seja acompanhado por outra pessoa. Bacana ter a companhia dos outros, mas poder estar de boas com sua própria companhia é libertador. Nem sempre precisamos estar  acompanhados para nos sentirmos plenos.



Sugiro que cada um de nós eleja uma atividade para fazer sozinho. Pode ser algo extremamente simples como ir ao mercado, ou dar uma volta na quadra, mas tente fazer isso por você. Apreciar a nossa própria solidão, ou seja, poder estar a sós com nós mesmos possibilita o autoconhecimento. Já que estaremos experimentando novas formas de saber o que gostamos, não gostamos e o que podemos experimentar de novidades. Uma ferramenta poderosa para que até possamos nos sentir mais confiantes, mais donos de nós mesmos para podermos depois desfrutar da companhia dos outros.

Estou dentro de um relacionamento onde a individualidade é preservada. Temos gostos em comuns e partilhamos de momentos juntos, mas  cada de um de nós tem seu próprio espaço. Suas próprias atividades, gostos e particularidades que nem sempre são divididas. Cada um tem uma forma particular de passar o seu tempo livre, cada um tem seus passatempos e há um respeito pelo mundo do outro. Com isso, os gostos que são compartilhados  foram construídos juntos. Partilhamos de gostos em comum, mas partimos do princípio que é essencial respeitar o universo um do outro. Com isso, poder existir ao lado do outro complementando a existência e não completando.

Estar em um relacionamento assim me possibilita poder investir no meu tempo livre. Apreciar o tempo comigo mesma faz que eu consiga estar mais inteira quando estiver acompanhada. Sugiro que cada um de nós possa experienciar alguma atividade sozinho a fim de desenvolver a individualidade.

Crônica: Como tratar os transtornos mentais






 Há uma enorme dificuldade em aceitar que as “doenças da alma” realmente existam já que muitas vezes não são perceptíveis a olho nu.

  Estamos habituados a enxergar o que se pode ser visto e não o que é sentido. Somos seres materiais, com isso, somos escravos da aparência. Muitas vezes passamos a ignorar ou nos é passado despercebido o que requer profundidade e sentimento Há certo preconceito em relação ao que se passa dentro de nós. Como acreditar em uma doença que não é visível? E desta forma muitas pessoas reagem de forma negativa frente aos transtornos mentais. Vislumbrar a pessoa na sua frente sem sintomas físicos como febre, manchas pelo corpo, alergia ou qualquer outro quadro, o que parece de cara que a pessoa está normal e para isso não deveria haver alarde. 

  Nos esbarramos no defeito de não percebermos que dentro de cada um de nós há um universo inteiro. Cada um de nós é como um carpinteiro do seu próprio universo, desta forma  cada um semeia, colhe, planta de acordo com o que tem e como pode. As pessoas que são acometidas por transtornos mentais precisam de ajuda, afeto e suporte para conseguirem se tornar seus próprios protagonistas de seu universo. Já que muitas vezes este é colorido em tons acinzentados pela depressão. Outros são com cores vibrantes e daqui a pouco surgem nuvens negras como a bipolaridade. Outros os tons são abertos, efusivos e as pinceladas são aceleradas pela ansiedade.

  Provavelmente só quem convive ou já conviveu, ou presenciou um quadro de depressão, bipolaridade, ansiedade entre outros é capaz de tentar dimensionar a dor e o sofrimento que isso traz. Todas as pessoas acabam por serem atingidas de alguma forma, já que as cicatrizes são invisíveis e o pedido de ajuda pode vir no fundo de um olhar. Acredito que pessoas que já passaram por transtornos mentais ou convivem com pessoas que os tem, são capazes de praticar a mais genuína empatia. Ficar ao lado de uma pessoa que está passando uma crise. Dar afeto e consolo para a pessoa que está passando por um momento de confusão. Poder  estar simplesmente ao lado sem falar nada, mas demonstrando carinho é uma forma de conseguir encostar no mundo do outro, permear por este universo que muitas vezes se encontra bagunçado e oferecer apoio. Muitas vezes a pessoa que está passando por um momento complicado não precisa de muito, apenas um beijo, um abraço, uma palavra de solidariedade faz toda a diferença.

  Vivemos em uma sociedade que supervaloriza o externo. Damos muita atenção à aparência, fama e acabamos por esquecer ou deixar de lado a saúde mental. O ideal seria que o nosso físico, a nossa aparência estivesse em ordem, mas juntamente ou andando em conjunto com a nossa saúde mental. Deveríamos investir tanto na saúde mental quanto investimos em bens materiais. A psicoterapia deveria ser uma ferramenta essencial para todas as pessoas buscarem autoconhecimento.  Mas enquanto os sentimentos não forem valorizados pela sociedade, as doenças vindas da alma vão ser encaradas dificilmente como deveriam ser. Deveríamos investir na nossa saúde mental e a do próximo assim como investimos em carros, roupas e imóveis. Cuidar da mente e até mesmo espiritual deveria estar na nossa lista de prioridades.

  Os abismos, os labirintos da alma que passam invisíveis aos olhos abarrotados de sofrimento deveriam ser compreendidos com urgência. Não apenas tratados com medicação, mas com psicoterapia, espiritualidade e rede de apoio.  Este quadrado de opções é o que pode levar a pessoa a experienciar a vida de forma mais leve, saudável e menos dolorida.

  Depressão não é falta de vontade. Bipolaridade não é drama. Ansiedade não é frescura. Nenhuma doença mental deve ser abordada como bobagem, falta do que fazer ou puro desleixo. Ninguém escolhe ser acometido por um transtorno mental não é uma opção. A pessoa não escolhe ser assim é uma questão multifatorial, mas pode ser tratada por uma rede de apoio favorável. Esta inclui família, amigos, tratamento psiquiátrico, psicológico e diria ainda mais a espiritualidade.

Crônica: Cicatrizes




 Precisamos das nossas cicatrizes. Precisamos dos nossos deslizes para nos tornar arquitetos de nós mesmos.

 À medida que vamos vivendo teimamos em querer apagar os nossos erros. Os momentos ruins. As lembranças doloridas. Achamos que seria bem mais simples se estas coisas não tivessem existido. Mas esquecemos de que são elas que impulsionam o aprendizado. Se restar cicatriz é porque dali nasceu uma lição pronta para desabrochar e criar raízes. Se dali ficar recordações penosas é uma oportunidade para fazer diferente. Devemos nos debruçar em tudo o que nos desacomoda a fim de fazermos uma faxina interna. Ou seja, poder juntar tudo aquilo que nos atrapalha a fim de recomeçar.

 Ao invés de pensar em apagar o nosso passado. Deletar as lembranças ruins.  Esquecer os nossos erros. Deveríamos dar um novo significado para o que passou. Encontrar aprendizado para as memórias negativas. Aprender com os nossos erros. Só quem tem cicatriz sabe o que é viver já que guarda ali dentro o trajeto que fez até chegar aonde está.  O percurso para a felicidade é longo e ele é traçado todos os dias e é testado por momentos ruins, mas estes são necessários para que se possa adquirir resiliência. Poder se transformar de forma criativa diante dos momentos de crise.

 Em todo o caminho haverá tempestades, caos e dias cinzentos. Mas eles são essenciais para refletir sobre o que está acontecendo, buscar novos caminhos a fim de traçar destinos. Precisamos levar na bagagem os dias nublados, eles fazem parte da nossa história e nos lembram de como chegamos até ali. Se não fossem as crises, os deslizes, as cicatrizes  não haveria aprendizado. São as nossas partes cinzentas que possibilitam o surgimento das cores bonitas.

 Aprecie suas cicatrizes. Seja grato pelos momentos de confusão. Abrace suas crises. Seja gentil consigo mesmo a fim de poder dar tempo para que o aprendizado possa acontecer. Negar as partes cinzentas é como impedir que o arco íris venha depois da chuva

Crônica: Vinte e Nove







  Cheguei à vinte e nove primaveras. Coisas que aprendi, coisas que gostaria de esquecer.Aprendizados, lições e muitas histórias.

    Neste ano que antecedeu meu aniversário, pude realizar alguns sonhos. Consegui adotar os meus três felinos e poder ser mãe de gatos. Eles são terapêuticos, funcionam como antidepressivo  e fornecem amor incondicional.  Recomendo que cada pessoa possa pelos menos em algum momento adotar um bichinho. Sou contra a venda de animais, adotar é um ato revolucionário, simples, mas profundo. O outro sonho que realizei neste ano que passou foi o de morar sozinha. Poder trilhar a minha independência , organizar as coisas do meu jeito, construir hábitos e rotinas. Por mais que eu tenha ido morar com o meu namorado mesmo assim se tece e se constrói maneiras únicas de conviver.

  Uma das coisas que aprendi foi que toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.  Quis desistir, peguei estradas erradas que desembocaram em abismos. Pensei em ir embora, deixar tudo de lado e não tentar mais. Vi a morte de perto, beirei o caos e vivenciei as trevas. Mas, através da fé, da minha família e das pessoas que amo pude me cercar e me armar de amor para estar munida com boas ferramentas para seguir lutando. Aprender a cuidar de mim mesma, investir na minha saúde mental  a fim de construir ferramentas mais saudáveis para existir. 

  A vida é louca, caótica ela muda nossas certezas, inverte nossas verdades e nos põe a prova quando menos esperamos. Por mais que a vida seja bagunçada, maluca e as vezes até insensata, ela é preciosa e não pode ser desperdiçada. Por mais que possa dar vontade de desistir, por mais que seja complicado seguir e por mais que a saída mais  rápida seja os pulsos. Temos que descobrir algo que faça a gente ainda acreditar que vale a pena. Encontrar motivos para seguir em frente é um dom.  Aprendi da forma mais dolorida que a vida é algo precioso que não pode ser interrompida. Por mais que haja tempestades, momentos de confusão e empecilhos,  a vida ainda assim vale a pena.

  Depois de chorar mares e rios.  Depois de lutar contra pensamentos repetitivos. Depois de enfrentar os demônios que existem apenas dentro da mente. Depois de lutar com os monstros criados por si mesma que habitam embaixo da cama. Depois de seguir em frente mesmo exausta. Depois de sorrir mesmo triste.  Descobrir que a vida pode ser colorida com cores bonitas. É possível encontrar boas energias e luz nos momentos.  Chegar aos 29 com muito mais cicatrizes, mas com mais aprendizados. Chegar até aqui com maior repertório e mais experiência.