Sorrisos carregados de esquinas

  

  Somos um emaranhados de cicatrizes.  As fases duras da vida são como pequenos infernos. Provocações que desafiam a sanidade.  Um pé no abismo e outro no chão. A mente tenta esquecer o que o corpo grita. Viver é mais do que suportar é poder transcender nas crises.

  Cicatrizes farão parte. Dos joelhos da infância aos amores platônicos da adolescência. Do primeiro beijo ao coração partido. Da primeira decepção ao mar de ressentimentos.  Do primeiro amor à separação.  Dos amigos à solidão.  Das conversas olhos nos olhos à mensagens virtuais.  Viver é inevitável, mas existir é essencial. Cada fase que passamos perpassa por um emaranhado de cicatrizes, arranhões externos e internos.

  Diria que as cicatrizes internas são mais densas e talvez mais complexas do que as físicas.  Corações partidos. Encontros e desencontros. Ressentimentos. Lutos.  Brigas desnecessárias. Monstros mentais.  Fantasmas do passado. Passamos tanto tempo tentando esconder nossas cicatrizes ao invés de assumir. Afinal é por elas que estamos aqui. Que nos tornamos fortes.  Temos motivos para continuar a lutar. Diria que mais perigosas do que as  cicatrizes provocadas pelos outros, são as que  nós mesmos provocamos com a gente.

  A nossa falta de amor próprio. A mania de nos deixar de lado. A falta de auto estima. As pressões para nos tornamos perfeitos. O medo de falhar. As inseguranças que crescem como erva daninhas.  A falta de tempo. O hábito de complicar as coisas simples. Nos machucamos. Nos colocamos de lado. E quando nos dermos conta. Envelhecemos.  Ranzinzas. Pessimistas.  Ansiosos. E o que sobrará no final?  Uma versão repleta de vazios do que gostáramos de ser e não fomos. Uma coleção de sonhos desperdiçados por medo. Uma existência calcada em apenas viver.  E no final estaremos sozinhos e repletos de hematomas.
Cicatrizes. Histórias. Deslizes farão parte. Aprender assumir os próprios pecados é sabedoria. Parar de esconder ou ficar evitando viver por medo de se machucar de novo  é hipocrisia.


  Viver é ter consciência em ter coragem.  Força para saber que não apenas  se vive, mas existe. E no centro da sua própria engrenagem inventa formas de resistir e lutar contra o que oprime.  Quem conseguir não vacilar mesmo derrotado. Quem mesmo perdido encontra um sentido, uma saída. Mesmo envolto em tempestades, cicatrizes carrega um sorriso carregado de esquinas.

Cambiar- Os Castelos de Budapeste




Cambiar é inevitável. 
Crescer é se perder para sempre. Erros farão parte, assim como ressentimentos.
Mas lembrar que somos humanos faz que a gente perdoe.
Perdoar além de divino é um ato de coragem que nos liberta do nosso passado a fim de desenhar novas perspectivas de futuro.

Cambiar




 O tempo passeou entre nós cono areia deslizando dentro de uma ampulheta. Mudanças sutis. Ressentimentos gigantes. Lembranças memoráveis. No meu caminho sempre haverá um pouco de você.  Da nossa infância na casa da vó onde o tempo não existia.  Saudade do nosso reino de maravilhas.

  Você viajou pelo mundo, Se encantou por Budapeste. Completou o nosso sonho de conhecer as pirâmides do Egito. Se tornou livre, independente e totalmente fantástica. Sinto que a sua alma é pequena demais para essa mentes quadradas das quais temos que conviver. Enquanto você viajava, continuava aqui conhecendo o universo através dos livros. Me dediquei em entender o que se passa dentro das mentes. Sentimentos.  Aprender a escutar a fim de tentar fazer sentido na vida das pessoas, com isso pensei em estar fazendo sentido com a minha.

  Nos tornamos tão diferentes daquelas duas garotinhas que andavam seminuas tomando banho de mangueira no pátio dos nossos avós. As vezes fico me perguntando quando a gente perde a inocência? Quando é que a gente percebe que a vida é dura e cruel? Mesmo assim ouço a sua voz me dizendo que as coisas encontram um jeito, um caminho e uma solução. Por mais que tudo mude há coisas que permanecem intactas. Como se fossem infinitas. Memoráveis. A nossa amizade é uma delas.

  Sei que andei te desapontando. Sinto muito que quebrei a sua confiança no momento em que você mais precisou. Ouvi pessoas que não tinham voz nenhuma para julgar. Me deixei influenciar por  cabeças por vazias. De repente parece que ouço a sua risada. Depois de alguns instantes de silêncio. Talvez anos.  O tempo passa tão depressa quando somos adultos que parece  que foi ontem. Que a gente se afastou. Palavras duras cresceram como erva daninha.  

  Inevitável são as mudanças. Estrondosos são os estragos de um mau entendido. Surpreendente o impacto do perdão. Hoje sou uma mistura de lunática que ainda acredita que pode mudar o mundo com palavras.  Você é uma arquiteta de sonhos capaz de restaurar o passado, eternizar os nosso ancestrais para que a gente nunca esqueça de onde viemos.  De meninas travessas, desajeitadas na adolescência, nos tornamos mulheres. Diferentes em vários aspectos, mas continuamos iguais em essência. Somos movidas pelos mesmos ideias ,isso faz me sentir em casa.

  O seu perdão me libertou. Sinto que agora podemos andar juntas novamente. Vamos continuar a mudar. Inevitável os nossos destinos vão continuar embaralhando os nosso planos. Nem sempre será fácil,.  Crescer é se perder para sempre. Da mesma forma que é libertador saber que somos apenas humanos. Assim os erros se tornam menos tortuosos. Quero que saiba que por mais assustador que seja o processo de crescer e ser alguém, estarei ao seu lado. Não importa se estou aqui pelos Pampas e você pelo mundo,  juntas sempre estaremos em casa. Quero que saiba que você me torna uma pessoa melhor.

  A gente mudou.  As estações passaram. Hoje somos adultas. Malucas. Insanas. Nem sempre corretas.  Nem sempre nas nossas melhores versões. Mas temos  a sorte de termos o espirito  livre, a mente aberta e o coração tranquilo. O seu perdão me libertou dos grilhões do meu passado a fim de reconstruir o que temos de mais precioso a nossa amizade.

Encontro do Criador com a Criatura Meu encontro com Humberto Gessinger

Encontro do Criador com a CriaturaMeu encontro com Humberto Gessinger



  Eram meados dos anos 2000.  A internet era discada. Os telefones celulares raros e pesados.  Para não falar da música. Ela vinha em pequenos círculos metálicos, chamados CDs. Os tempos eram outros, mas curtia-se a liberdade de não estar conectado. Sem precisar a todo instante atualizar redes sociais, checar e-mails e outras “prioridades”. Estranho que a tecnologia veio para facilitar, mas muitas vezes nos torna escravos.

  Como era ser adolescente nos anos 2000? Tinha minha própria de círculos metálicos. Separados por álbuns, gêneros e gostos. Músicas que formavam minha identidade. Cantores que expressavam o que sentia. Dava colorido ao meu mundo interno. E foi assim no auge dos meus quatorze anos, exprimia uma paixão pelo rock brasileiro. Estava em uma época que adorava  Os Paralamas do Sucesso, comprei um coletânea dos  seus maiores sucessos. A minha surpresa ao chegar em casa dentro da sacola plástica estava  algo desconhecido. A obra de uma band que  para mim  era totalmente estrangeira chamada Engenheiros do Hawai. Fiquei frustrada, desapontada e realmente irritada com tal contratempo.

   Deixo o desconhecido ali encima da estante.  Olhando-me ali estranho e ao mesmo tempo convidativo. Sem coragem de por as músicas para tocar e nem ao menos me inteirar das  letras. Foram meses de estranhamento até que a curiosidade brotasse.  Aos poucos fui me apropriando daquelas canções. Versos em forma de poesia. Falam sobre a minha cidade Porto Alegre, trazem também a cultura do Rio Grande do Sul.  Abordam o Brasil,  a politica, as  crises. Mas vai mais além, fala do ser humano. Das nossas humanidades. Desuminidades. Sobre crescer. Se tornar alguém. Identifiquei-me com as letras do Humberto, senti que finalmente havia encontrado de fato alguém que me representava. Numa época tão confusa que é adolescência pudesse me distanciar do bullying sofrido pela sociedade por sempre me sentir um peixe fora da aquária. Por sempre querer discutir assuntos quem eram vistos como profundos demais para alguém que recém estava crescendo. Nesta época já escrevia sobre a corrupção que assola, o medo de paralisa e a total falta de bom sendo das pessoas.

  Encontrei ali um porto seguro. Uma inspiração para escrever. Me tornar uma pessoa melhor. Depois de tantos anos, pude conhecer o meu ídolo de perto. O encontro do criador e da criatura.  Bebi as palavras proferidas por ele em sua palestra. Ter a oportunidade de conhecer ele ao vivo foi um dos melhores momentos da minha existência. Uma das raras vezes em que a gente se sente pleno. Como se  encontrasse alguém com o qual pudesse finalmente ser eu mesma. Despida de vaidades. Rótulos.  Máscaras. Já que hoje em dia é tão raro alguém que fale sobre liberdade, inspiração, mudar o mundo a partir da gente mesmo. Valores tão abatidos em uma sociedade abarrotada de informações, mas pobre em fazer de fato.

  Para finalizar fazendo uma analogia com as dez músicas preferidas do Humberto:

  
  Sempre irei surfar entre karmas e DNAs.  Eterna Dom Quixote que acredita ainda em mudar o mundo. Que amar seja sempre sem medidas. E que seja por amor as batalhas perdidas. Prefiro andar só, vestida de mim mesma do que usar a cabeça dos outros como degrau para chegar aonde preciso.  Ainda acredito que ninguém = ninguém apesar de ainda sermos tão desiguais. Sempre estarei em busca de uma perfeita simetria, às vezes enlouquecedora a fim de sempre me tornar uma carpinteira do meu próprio universo.  Um pouco princesa parabólica.  De vez em quando esbarrar na minha própria timidez tendo como pano de fundo um piano bar.  Mas saber que toda a forma de poder é uma forma de morrer por nada.  E que depois de nós o mundo ainda continuará de uma forma ou de outra por isso é preciso valorizar os ancestrais e também semear uma posteridade.  Travarei a minha batalha pessoal e às vezes inglória pela Revolta dos Dândis, me nego a ser apenas mais uma na multidão. Ainda vejo diferença entre poder e corrupção. Enquanto enxergar diferenças, não me contentarei.