Diários de Bluu: Juntando os Pedaços


Juntando os Pedaços




O problema foi o sentimento. O dela era profundo disponível para mergulhos. O dele servia apenas para molhar os pés.

No começo ele era o cara ideal. Do tipo que corre atrás. Fala as coisas certas nas horas exatas. Chega junto. Marca presença. Topa qualquer programa como  ficar de bobeira. Liga no dia seguinte. Fala a respeito do futuro. Quer te apresentar para as pessoas. Presta atenção no que você fala. Paga algumas coisas. Diz para você se cuidar. Tem até certa dose de ciúmes. O sorriso dele era capaz de derreter as geleiras mais profundas.  O bom humor era afrodisíaco. O beijo tinha química, física e era do tipo raro de se encontrar. Andar de mãos era um prazer. Os papos fluíam sem parar por horas a fio. Mensagens de bom dia. Áudios se declarando. Nenhum problema em tirar fotos de casal. Nenhum medo bobo. Nada de parecer ridículo. Até um eu te amo saiu de forma despretensiosa.  O que poderia haver de errado?

Ela queria um amor de curvas. Adrenalina. Paixão. Uma vontade danada de ficar junto.  Borboletas no estômago. Ser a garota de alguém.  Declarações ao pé de ouvido. Tardes de prazer. Companhia para o cinema. Ter alguém para dividir o tédio nas tardes de domingo. Passeios pela cidade. Caminhar sem rumo. Trocar segredos. Poder ser si mesma sem máscaras ou filtros. Gostos musicais em comum. Sonhos sonhados juntos. Beijos em público. Insanidades trocadas. Amar sem medidas. Se atirar no escuro. Apostar todas as fichas.  Passar o dia sorrindo. Acordar de bom humor. Curar feridas. Superar traumas. Matar fantasmas. Varrer os monstros de estimação.  Dividir um expresso.  Batata frita com queijo. Ser feliz sem pensar no depois. Deixar rolar.

O problema é o oito ou o oitenta. A intensidade dos sinais.  O se apegar em alguém imune ao apego.  Mas  abarrotado de oscilações. Ele era um poço raso. Ela se atirou de cabeça sem saber o que havia embaixo. O nada habitava.  A solidão. A escuridão da entrega de amar sem ser correspondido. Ele era centrado em si mesmo. Incapaz de reparar os danos causados nas pessoas. Preocupado em apostar todas as fichas em uma semana. Sete dias intensos. Daqueles que parecem sair dos filmes românticos. Um amor voraz. Porém fraco.  A curva do amor dele passou para o ódio em um piscar de olhos. Ela se viu diante do seu pior pesadelo.  O mesmo cara pelo qual havia se entregado.  Ele foi embora. A mesma cena que tantas vezes presenciou antes.   Os traumas.  Os medos. Os monstros de estimação. Os fantasmas dentro do armário. Retornaram. Junto com eles as cicatrizes agora expostas. O coração ainda partido. Agora  dilacerado. Do outro lado alguém frio. O sorriso dele. Agora invertido. Dali brotou mágoa. Ressentimento. Palavras que nunca deveriam ter sido ditas por ninguém.  Podia sentir o gosto do desprezo dele. Misturado com uma satisfação pelo sofrimento causado. Frieza glacial capaz de congelar qualquer ponta de esperança. Ela podia sentir o quanto ele se divertia pelos dados causados. Pelas lágrimas choradas.  Só faltava uma risada. O grande final dele. Ir embora satisfeito, sorrindo e sem olhar para trás.

Nem oito nem oitenta. O pensamento que fica vagando de forma repetida na mente dela.  Queria apenas alguém corajoso para ficar. Capaz de não sumir. O problema é a intensidade. A rapidez do adeus.  O que restou. Vazio enlouquecedor.  Silêncio que grita.   Tristeza que agora é bem – vinda.


Ela está se afogando sem estar  pleno alto mar. Não há boias contra o que veio de baixo.  Nem um sinal de deriva. A tempestade se aproxima.  O que resta é juntar os pedaços. Recomeçar outra vez.

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