Crônica : Posteridade

Posteridade



Hoje o dia amanheceu em um céu de saudade. Pode ser que o sol esteja lá fora, estou percebendo as nuances de laranja brincando entre os lençóis, mas algo faz permanece em tons de preto, branco e cinza.

De repente, mais uma guerreira se despede deste mundo. Foram três anos lutando contra um câncer, parece mesmo ser o grande mal deste século, vejo pessoas boas enlouquecendo e adoecendo ao meu redor. Betty Lago, apresentadora, atriz, modelo, mãe, mulher e principalmente uma heroína. Durante todo este tempo em que lutou de forma aguerrida contra o que estava a acometendo em nenhum momento perdeu seu bom- humor, a sua feminilidade e nem por um momento entregou os pontos.  Aos sessenta anos, ela se despede desta vida, a doença tomou conta, mas com certeza a sua alma foi em paz.

Agora entre as estrelas, em algum lugar cativo lá do céu, o seu talento vai continuar a brilhar.  Sempre me lembrarei dela pela sua autenticidade, sua franqueza, seu estilo despojado e  a forma leve como levou a vida. A eterna Natália de Anos Rebeles,  a Abgail de Quatro por Quatro,  a irreverência em seu papel de época na mini série Quinto dos Infernos, sua  personalidade no programa Saía Justa, o seu lado mais íntimo no programa Pirei com Betty Lago, as memoráveis novelas de comédia das sete da TV Globo. Inúmeros papéis, diversas personalidades seja na televisão paga, aberta, no teatro ou nas passarelas, sempre imprimiu o seu jeito de ser. Se há algo que irá ficar para a posteridade é que ela sempre contracenou com os mais diferentes tipos de estereótipos, mas sem perder a sua essência, ou seja, talvez o grande barato de ser um grande ator, é não se perder entre tantos papeis, mas deixar reinar a sua essência por está vastidão de cenas cenários , histórias e estórias.

Histórias como essa me remontam a minha própria história.  Minha avó por parte de pai,  umas das maiores inspirações. Herdei tantos jeitos dela que as vezes me pego aqui pensando o quanto somos uma soma infinita de tantas pessoa que passam e passarão pela nossa existência.  Minha teimosia, o meu jeito de morder a vida com garra,  a minha cara de pau e até mesmo meu jeito de falar o que vem a minha cabeça. tem tanto da minha avó. As vezes penso que nascemos sem aquele dispositivo que a maioria de nós tem de ter medo de cara feia, de desistir na primeira pedra, acho que temos a coragem de dizer o que pensamos a fim de arcar com qualquer consequência. Voltando ao assunto, se não me perco do contexto, quando nasci ela foi acometida por um câncer de mama, que fez perder um dos seus seios.  Nem por isso perdeu a sua feminilidade, o seu jeito de ser mulher e meu avô nunca  deixou de amá-la exatamente como ela era.  Mais de uma década, lutando contra o que viria levá-la  embora,  claro que antes disso, inúmeros tratamentos tentando em vão vencer o temido destino. O câncer as vezes parece um jogo de cartas marcadas, quanto mais a pessoa tenta usar  estratégias para vencer, ele acaba uma hora ou outra ganhando o jogo.


Neste meio tempo ganhei mais tempo ao dela, tive mais oportunidades de experienciar  a vida ao seu lado.    Hoje tenho a sorte de ser um repertório de qualidades, alguns defeitos que são tão meus, quanto dela.  Afinal somos um apanho de nostalgias, saudades e matizes.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário